A medicina de família e comunidade é recente e não é. No início da década de 1980, já era discutida no Brasil, ou seja, só por aqui já se fala no tema há mais de 40 anos. Porém, nos últimos 20 anos, é que a especialidade ganhou maior relevância e atenção na esteira do programa Mais Médicos.
O fato é que é uma especialidade pouco conhecida, e muitos perguntam “O que é medicina de família e comunidade?”, “tem residência para MFC?” ou “qual a diferença entre o clínico geral e o médico de família?”.
Abaixo vai um texto retirado do Ministério da Saúde com considerações pertinentes sobre o papel da medicina da família e comunidade e a resposta para as perguntas acima sobre MFC.
Médico de Família e Comunidade: a importância do cuidado integral e eficiente *
Neste sábado (5/12) é comemorado o Dia Nacional do Médico de Família e Comunidade, um profissional extremamente importante para a Atenção Primária à Saúde (APS). O motivo é que aproximadamente 85% das queixas dos pacientes podem ser resolvidas pelo médico de família – os demais são encaminhados para outras especialidades.
Mas, qual é, exatamente, o diferencial desses profissionais? No Brasil, é comum haver uma confusão entre médico de família e clínico geral, mas tratam-se de funções diferentes, embora complementares. Enquanto o segundo trata especificamente da doença, o primeiro tem o foco na pessoa. Ou, como define a médica de família do SUS em Florianópolis (SC) Fernanda Melchior, “a clínica geral é pontual, e a medicina da família é longitudinal”. Isso significa que o paciente é acompanhado durante todas as fases da vida, “do nascer ao morrer”. Também é preciso lembrar que o médico de família tem uma formação específica: a residência em medicina da família.
Além dos sintomas, o estilo de vida, os hábitos, as emoções, as condições de trabalho e a moradia são levados em conta para que o médico de família aponte um diagnóstico. Ou seja, o indivíduo é analisado de forma integral, em uma abordagem biopsicossocial, justamente porque todos esses fatores podem estar relacionados à saúde – e nem sempre as pessoas estão conscientes disso. “Como costumam dizer: quando a boca cala, o corpo fala, e é nisso que nós prestamos atenção”, observa Fernanda.
Um caso que ilustra bem a importância do médico de família é o do paciente que chegou ao consultório de Fernanda com falta de ar e dificuldade para dormir e para engolir. Ele já havia se consultado com médicos de outras especialidades, que prescreveram exames gastrointestinais e pneumatológicos, mas ambos estavam dentro da normalidade. Então, ela procurou entender o contexto do homem para encontrar a razão dos sintomas, e descobriu que ele estava passando por uma separação, sentia muita saudade dos filhos, pois havia deixado de morar com eles, e ainda apresentava baixo rendimento no trabalho. O paciente sofria de ansiedade. “Chamamos esse tipo de situação de rompimento de ciclo de vida, e trabalhamos em algumas frentes. Ele foi medicado, recebeu um atestado para se ausentar do trabalho durante o período de adaptação ao remédio e, além disso, chamamos a esposa para conversar e buscar uma possibilidade de ele ver os filhos com mais frequência”, conta.
Outra circunstância muito frequente é pacientes chegarem com sintomas adversos decorrentes da combinação de medicamentos receitados por médicos de especialidades diferentes, que não sabem todo o histórico do paciente e, muitas vezes, também não têm conhecimento de quais remédios a pessoa já toma. “Também procuramos evitar intervenções desnecessárias. Às vezes o cardiologista pede um exame que o geriatra já pediu e o paciente já fez. Aqui, o objetivo é fazer a coordenação de cuidado para unificar o atendimento”, diz.
Comunidade
Além do âmbito individual, há a dimensão coletiva da medicina da família. Cada equipe cuida de uma região delimitada geograficamente – no caso da unidade onde Fernanda trabalha, todos os pacientes são residentes do mesmo bairro. E algumas situações que podem causar adoecimento acabam sendo comuns ou recorrentes entre diversos moradores.
Um exemplo disso foi o episódio em que várias pessoas chegaram ao consultório, em datas próximas, com queixas de dores no ombro, e todas elas trabalhavam como caixas de um mesmo supermercado – o que dificilmente seria uma coincidência. A equipe desconfiou que faltasse ergonomia na estrutura que os funcionários ocupavam e, a partir disso, pôde fazer uma intervenção. Outro exemplo é quando muitas crianças da mesma escola chegam com piolho à UBS. “Nesse caso, é necessário acionar a escola para uma ação coletiva”, opina.
Fernanda ressalta que a saúde da família não é construída apenas pelo médico ou médica e que a equipe faz toda a diferença. “Eu não faço nada sozinha. A enfermeira faz a prescrição de cuidado com os pacientes em acompanhamento. Os agentes comunitários são os principais responsáveis por criar o vínculo com a comunidade, pois verificam problemas e trazem as demandas para cá”, explica. Técnicos de enfermagem também fazem parte das equipes – e algumas delas ainda contam com dentistas.
Segundo a médica, cada equipe de saúde da família costuma atender entre 2.400 e 4.000 pessoas. A variação depende do perfil dos moradores do local. “Um bairro com muitos jovens sem doenças crônicas, por exemplo, permite que a equipe atenda mais gente, pois é menos demandada. Já um local onde vivem muitos idosos, que frequentam mais os serviços de saúde, exige que a equipe não expanda os serviços para tanta gente.”
Atualmente, o SUS conta com cerca de seis mil médicos de família, número que Fernanda ainda considera baixo, levando em conta a densidade populacional do Brasil. “Justamente por isso, é necessário que a população conheça nosso trabalho e ela mesma demande a presença de médicos de família onde ainda não tem”, opina. Pensando nisso, o Ministério da Saúde investe na formação desses profissionais, por meio do Pró-Residência para APS, e os municípios também podem receber incentivos do governo federal por cada integrante da equipe de saúde da família em Medicina de Família e Comunidade e nas modalidades uniprofissional ou multiprofissional em Enfermagem de Família e Comunidade e Odontologia.
* Publicado pelo Ministério da Saúde
Leia também sobre “o que é medicina de família e comunidade”, residência médica e mais.
Site do Drauzio Varela – O QUE FAZ UM MÉDICO DE FAMÍLIA E COMUNIDADE?
Programas de residência – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e comunidade
O lado que me encanta neste moidelo é justamente, como cita o artigo do SUS, que “além dos sintomas, o estilo de vida, os hábitos, as emoções, as condições de trabalho e a moradia são levados em conta para que o médico de família aponte um diagnóstico. Ou seja, o indivíduo é analisado de forma integral, em uma abordagem biopsicossocial”. Viva o SUS!