A dieta paleo pode ser gostosa, sem alimentos industrializados

Dieta paleo, corrida, meditação tem tudo a ver

Livro: Go Wild: Free Your Body and Mind from the Afflictions of Civilization (Seja selvagem: liberte seu corpo e mente das aflições da civilização, em tradução livre)

Autores: John J. Ratey, Richard Manning

Editora: ‎ Little, Brown Spark (2014)

Resenha por Gustavo Villas Boas Farias

Qual a relação entre dieta paleo, corrida como meio de alcançar o bem estar físico e mental, a meditação mindfulness, a dieta low carb e a higiene do sono?

Primeiro, que tudo isso está entre as modinhas de saúde, bem estar e alimentação.

Em segundo lugar, esses conceitos não são apenas marcas promocionais para vender a fórmula mágica para emagrecer, neste mês, já nas bancas.

Eles relacionam-se, também, com o entendimento, difundido a partir do início da década de 1980, de que o desenvolvimento da agricultura prejudicou a qualidade de vida humana.

Sim, as pesquisas arqueológicas e de medicina evolutiva apontam que o modo de vida do homem e da mulher caçadores-coletores era mais saudável e feliz do que o do homem pós-agricultura.

E a dieta, a prática de atividades físicas e até a meditação são formas de se aproximar desse estado selvagem e saudável e se esquivar dos males da civilização. Quais? Entre eles a obesidade, a depressão e a falta de atenção.

Parece conversa de bicho-grilo, mas existe uma vasta literatura científica que sustenta a tese.

John Rattey, médico psiquiatra de Harvard, é um dos cientistas que debruçaram-se sobre esse campo.

É importante notar que Rattey está longe de ser um guru de práticas alternativas (e suspeitas) que tais termos sugerem.

O médico, co-autor de “Go Wild: Free Your Body and Mind from the Afflictions of Civilization”, é, entre outras coisas, responsável pelo determinação do diagnóstico do famigerado transtorno de déficit de atenção em adultos, talvez a patologia psiquiátrica mais questionada pelos entusiastas de práticas alternativas. É um cientista, com a grife científica de Harvard.

Go Wild, escrito em companhia do jornalista Richard Manning, é uma instigante obra que tenta demonstrar que a vida dos caçadores-coletores, o ser humano selvagem a que o título do livro refere, era mais plena e saudável que a do homem pós-agricultura.

Mais que isso: misturando divulgação científica e, sim, pinceladas de literatura de auto-ajuda, Rattey e Manning traçam sugestões de como a adoção de práticas inspiradas na vida  selvagem –ou paleolítica–, podem melhorar a saúde mental, física e social do homem e da mulher contemporâneos.

Sempre baseado em pesquisas científicas recentes e reconhecidas, a publicação sustenta que “a evolução humana aconteceu sobre condições selvagens”.

Tentar simular tais condições no mundo moderno é um caminho para a boa saúde e a felicidade, pois o processo de evolução vinculou, de forma indissociável, os dois conceitos nos nossos genes, defendem os autores.

As pressões criadas pela civilização são muito recentes para alterar nosso código genético. Somos caçadores-coletores. Ou, pelo menos, nossa genética é. Ser caçador-coletor não é uma escolha: é o modo de vida que a seleção natural incutiu no nosso DNA, argumentam.

Também é importante notar que o livro, ainda que escrito em ritmo ágil e com histórias pessoais que ajudam a criar uma narrativa envolvente, está longe de ser um manual de dieta paleo ou meditação.
Rattey e Manning fazem, sim, sugestões de mudança de vida e apontam alguns caminhos, mas o interesse dos autores é que a jornada em direção ao selvagem do título seja um processo particular, conveniente com as características e recursos pessoais de cada um.

Nesse sentido, seis capítulos se destacam.

Ao tratar de alimentação, por exemplo, os autores mostram como a dieta ocidental moderna, com uma grande fatia das calorias vindas de carboidratos, está longe, muito longe, das exigências do nosso corpo. Pior: nossa dieta favorece um alto índice de açúcar no sangue, condição inédita na história evolutiva do ser humano.

Quando Go Wild aborda a questão dos exercícios e movimentos, o livro destaca a incrível capacidade do corpo humano de perder calor, fundamental na prática da caçada por resistência que moldou nosso corpo e nos tornou ameaças para os animais da savana africana.

Ao falar do sono, a obra ressalta que dormir já foi um atividade coletiva e traz um curioso panorama do repouso em diversas realidades. Mas, mais importante, é o modo como o tratado sublinha que boas horas de sono são fundamentais para manter afiada a capacidade cognitiva e na regulação do humor.

Capacidade cognitiva que precisava estar redondinha na hora da caça, ação que demanda planejamento e entrosamento do grupo, conhecimento do mundo natural e concentração absoluta para seguir os rastros do animal e até prever as ações da presa. É um estado mental de consciência e atenção total que faziam bons caçadores no paleolítico -e que pode ser simulado com boas práticas de meditação.

O contato com a natureza também é valorizado e justificado pelo conceito da biofilia, uma hipótese que sugere que o ser humano precisa se conectar ao mundo natural.

Um exemplo atualizado: as pesquisas que servem como fundamento do conceito de biofilia levaram o governo japonês a investir milhões de dólares para estudar e incentivar a prática de banho de floresta como política de saúde pública oficial.

E os autores demonstram que não é só o humor que melhora, como pode parecer óbvio. O sistema imunológico, por exemplo, é um grande beneficiário do contato com a natureza.

Porém não basta cuidar do corpo e se conectar com a natureza. Rattey e Manning destacam, também, a importância da tribo –o grupo social primordial– para a humanidade.

As relações interpessoais e o exercício da empatia, mostra o livro, são fundamentais no processo para melhorar a vida  de forma inspirada na aurora do ser humano.

Espero que  esse texto tenha despertado seu interesse. É uma obra que vale a pena ler e que pode oferecer pistas e caminhos para melhorar a vida.

Parece-me óbvio que se alimentar bem, praticar exercícios físicos, ter uma boa relação social, aproveitar as noites de sono são ingredientes de uma vida saudável e feliz.

O livro mostra isso, embasado na mais moderna ciência, de uma forma clara e envolvente, joga luzes sobre diversos caminhos para que nós consigamos adotar, paulatinamente, algumas práticas que melhoram a qualidade de vida.

O capítulo final, inclusive, apresenta o percurso de cada um dos autores em busca da vida selvagem. E nos mostra o que podemos fazer para que nós adotemos as mudanças.

Algumas semanas depois de ler Go Wild, me deparei com o documentário Kalahari Killers no YouTube. O filme acompanha a vida e, principalmente, como é a caça dos !kung, comunidade africana de caçadores-coletores cujo meio de vida é considerado um dos mais antigos e preservados da terra. Muito do que Go Wild propõe e descreve pode ser visto no documentário, da incrível capacidade física dos !kung até a concentração e a resiliência absoluta na caçada. Vale a pena ver!

About gustavo

Sou médico formado pela UFMG em 2023 e jornalista pela Unesp-2003. Trabalhei como repórter e redator na Folha de S.Paulo e como editor no Estadão.com. Já fiz mochilão de 5 meses pela América do Sul, quando editei um site independente de turismo. Meus interesses são variados e mutantes: aqui você poderá ler sobre medicina, corrida, cannabis, ciência e política. Ou não.